quinta-feira, 9 de julho de 2009

De Jean-Arthur Rimbaud

A Paul Démeny

Rue Jean de Bologne

Douai.



Charleville, 15 de maio de 1871.



Resolvi lhe dar uma hora de literatura nova. Começo logo com um salmo da atualidade:

Canto de guerra parisiense



A primavera está no ar, pois

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– Eis a prosa sobre o futuro da poesia: –

Toda a poesia antiga termina na poesia grega, Vida harmoniosa. – Da Grécia ao movimento romântico – idade média,– há letrados, versificadores. De Ennius a Theroldus, de Theroldus a Casimir Delavigne, tudo é prosa rimada, um jogo, deformação e glória de inumeráveis gerações idiotas: Racine é o puro, o forte, o grande. – Que cada um sopre sobre suas rimas, rascunhem seus hemistíquios, o Divino Tolo seria hoje tão ignorado quanto o primeiro a ser autor de Origens. – Depois de Racine, o brinquedo estragou. Durou dois mil anos!

Nem piada, nem paradoxo. A razão me inspira mais certezas sobre o assunto que a cólera que tivesse algum dia um Jovem-França. De resto, libere os novos para execrar os ancestrais: estamos em casa e temos tempo.

Jamais julgamos bem o romantismo. Quem o teria julgado? Os críticos!! Os Românticos? que provam tão bem que a canção é tão poucas vezes a obra, quer dizer o pensamento cantado e compreendido do cantor.

Pois EU é um outro. Se o cobre amanhece clarim, não é culpa dele. Isso para mim é evidente: eu assisto à eclosão do meu pensamento. Eu a olho eu a escuto: meu arco toca a corda: a sinfonia se agita nas profundezas, ou vem de um salto em meio à cena.

Se os velhos imbecis não tivessem encontrado apenas o significado falso de EU, não teríamos que limpar esses milhões de esqueletos que, desde um tempo infinito, acumularam os produtos de sua inteligência caolha, clamando que eram os autores!

Na Grécia, já o disse, versos e liras ritmam a Ação. Além do mais, música e rimas são jogos, descansos. O estudo desse passado encanta os curiosos: muitos se oferecem o prazer de renovar essas antigüidades: – é para eles. A inteligência universal sempre lançou suas idéias naturalmente; os homens colhiam uma parte desses frutos do cérebro: agia-se por, escrevia-se livros: assim é que funcionavam, o homem não se trabalhando, não estando ainda desperto, ou ainda na plenitude do grande sonho. Funcionários, escritores: autor, criador, poeta, este homem nunca existiu!

O primeiro estudo do homem que quer ser poeta é o conhecimento de si mesmo, inteiro; ele busca sua alma, ele a observa, tenta, aprende (instrui). A partir do momentoque ele a sabe, ele deve cultivá-la; isso parece simples: em todo cérebro se cumpre um desenvolvimento natural; tantos egoístas se proclamam autores; há também outros que atribuem a si seus progressos intelectuais! – Mas trata-se de fazer a alma monstruosa: à maneira dos comprachicos, qual! Imagina um homem implantando e cultivando verrugas em seu rosto.

Eu digo que é preciso ser vidente, se fazer vidente.

O poeta se faz vidente por um longo, imenso e pensado desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele busca a si mesmo, ele exaure em si mesmo todos os venenos, para então guardar apenas as quintessências. Inefável tortura na qual necessita de toda a fé, toda a força sobre-humana, onde ele se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito, – e o supremo Sábio! – Pois ele chega ao desconhecido! Uma vez que ele cultivou sua alma, já rico, mais que todos! Ele chega ao desconhecido, e quando, enlouquecido, ele acabaria por perder a inteligência de suas visões, ele as viu! Que ele estoure em seu sobressalto pelas coisas inaudíveis e inomináveis: virão outros horríveis trabalhadores; eles começarão pelos horizontes onde o outro se abateu!

– seguem seis minutas –

Aqui, intercalo um segundo salmo, fora do texto: queira estender um ouvido complacente, – e todo o mundo ficará encantado. – Tenho o arco na mão, eu começo:



Minhas namoradinhas



Um hidrolato lacrimal lava

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Aí está. E repare bem que, se eu temesse lhe fazer desembolsar mais de 60 c. de porte, – eu pobre inquieto que, há sete meses, não toquei em uma única moeda de bronze! – eu lhe enviaria ainda meus Amantes de paris, cem hexâmetros, Senhor, e minha Morte de Paris, duzentos hexâmetros!

– Eu retomo:

Portanto, o poeta é realmente ladrão de fogo.

Ele é encarregado da humanidade, dos animais mesmo; ele deverá fazer sentir, apalpar, escutar suas invenções; se o que ele traz de lá possui forma, ele dá forma; se é disforme (informe) ele dá a não-forma (informe). Achar uma língua; – De resto, toda palavra sendo idéia, o tempo de uma linguagem universal virá! É preciso ser acadêmico, – mais morto que um fóssil, – para criar um dicionário, qualquer que seja. Fracos se poriam a pensar sobre a primeira letra do alfabeto, que logo poderiam escoicear na loucura!

Esta língua seria da alma para a alma, resumindo tudo, perfumes, sons, cores, pensamento dependurando pensamento e estirando. O poeta definiria a quantidade de desconhecido que despertaria em seu tempo a alma universal: ele daria mais – que a fórmula de seu pensamento, que a notação de sua marcha ao progresso! Enormidade se tornando norma, absorvida por todos, ele seria verdadeiramente um multiplicador de progressos!

Este futuro seria materialista, o senhor vê; – Sempre repletos do Número e da Harmonia, esses poema seriam feitos para ficar. – No fundo, essa seria ainda um pouco a Poesia grega.

A arte eterna teria suas funções, como os poetas são cidadãos. A poesia não ritmaria mais a ação; ele seria antes.

Esses poetas serão! Quando se quebrar a infinita servidão da mulher, quando ela viver para ela e por ela, o homem, – até aqui abominável, – lhe tendo dado a sua oferenda, ela será poeta, ela também! A mulher encontrará desconhecido! seus mundos de idéias diferirão dos nossos? – Ela encontrará coisas estranhas, insondáveis, pulsantes, deliciosas; nós as pegaremos, as compreenderemos.

Esperando, peçamos aos poetas do novo, – idéias e formas. Todos os hábeis acreditariam logo ter satisfeito este pedido. – Não se trata disso!

Os primeiros românticos foram videntes sem dar muita conta disso: a cultura de suas almas começou nos acidentes: locomotivas abandonadas, mas ardentes que ficam algum tempo nos trilhos. – Lamartine é às vezes vidente, mas estrangulado pela forma velha. – Hugo, demasiado teimoso, possui ver nos últimos volumes: Les misérables são um verdadeiro poema. Tenho Les châtiments em minhas mãos; Stella dá um pouco a medida do ver de Hugo. Muito de Belmontet e de Lamennais, de Jehovahs e de colunas, velhas enormidades arrebentadas.

Musset é quatorze vezes execrável para nós, gerações dolorosas e tomadas de visões, – como sua preguiça de anjo as insultou! Oh! Que contos e provérbios insípidos! Oh, as Nuitss, oh Rolla, oh Namouna, oh la Coupe! Tudo é francês, quer dizer, odiável ao último grau; francês, não parisiense! Ainda uma obra deste odioso gênio que inspirou Rabelais, Voltaire, Jean La Fontaine, comentada pelo senhor Taine! Primaveril, o espírito de Musset! Charmoso seu amor! Aí está, pintura de esmalte, poesia dura! Saborearemos por muito tempo a poesia francesa, mas na França. Todo rapaz merceeiro está na medida de afetar uma apóstrofe Rollesca, todo seminarista carrega as quinhentas rimas no segredo de um caderninho. Aos quinze anos, esses elans de paixão colocam os jovens no cio; aos dezesseis, eles se já se contentam em recitá-los com alma; aos dezoito anos, aos dezessete mesmo, todo colegial que possui meios faz o Rolla, escreve um Rolla! Alguns talvez até morram aí. Musset não soube fazer nada; havia visões atrás da gaze das cortinas: ele fechou os olhos. Francês, arroz com feijão, arrastado do botequim à carteira do colégio, o belo morto está morto, e desde então, não nos ofereçamos mais nem mesmo a pena de despertá-lo por nossas abominações!

Os segundos românticos são mais videntes: Th[éophile] Gautier, Lec[onte]. de Lisle, Th[éodore] de Banville. Mas observar o invisível e ouvir o inaudito sendo outra coisa que retomar o espírito das coisas mortas, Baudelaire é o primeiro vidente, rei dos poetas, um verdadeiro Deus. Mesmo assim, viveu num meio demasiado artista; e a forma tão elogiada nele é mesquinha: as invenções de desconhecido reclamam formas novas.

Rompimento com as formas velhas – entre os inocentes, A. Renaud, – fez seu Rolla; – L. Grandet, – fez seu Rolla; – os gauleses e os Musset, G. Lafenestre, Coran, Cl[aude]. Popelin, Soulary, L. Salles; os escolares, Marc Aicard, Theuriet; (es corts) e os imbecis, Autran, Barbier, L. Pichat, Lemoyne, les Deschamps, os Desessarts; os jornalistas, L. Cladel, Robert Luzarches, X[avier] de Ricard; os fantasistas, C[atule]. Mendès; os boêmios; as mulheres; os talentos, Léon Dierx, Sully Prudhomme, Coppé, – a nova escola, dita parnasiana, tem dois videntes, Albert Mérat e Paul Verlaine, um verdadeiro poeta – voilà. – assim eu trabalho para me tornar vidente. – E terminemos com um canto pio.



Acocoramentos



Bem tarde, quando sente uma gastura estomacal,

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O senhor seria execrável se não respondesse: rápido, pois em oito dias eu estarei em Paris, talvez.

Au revoir.

A. Rimbaud

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